Projeto levou descendentes de ex-escravos ao continente africano para o contato com suas raízes. A viagem será transformada em documentário
Os meninos jogando bola no campinho de barro, os barracos de madeira, a música ao fundo, as comidas à mesa, a arquitetura. Quando o professor e percussionista pernambucano Levi Lima, 31, desembarcou em Moçambique, na África, em agosto deste ano, duvidou se havia mesmo saído do Brasil. Ele é o único pernambucano entre cinco brasileiros que, depois de um teste de DNA, foram mandados para as tribos das quais descendem através do projeto Brasil DNA África, do Cine Group, que tenta fazer o caminho de volta de 4,8 milhões de africanos trazidos e escravizados no Brasil.
Com os pés no continente africano, Levi encontrou a tribo Maqua, de onde vieram seus ancestrais, escravizados em terras pernambucanas. De frente para o mar, em um dos momentos mais fortes dos sete dias em que esteve vivendo aquele povo e sua cultura, se emocionou. “Era onde os navios negreiros encostavam. Um caminho sem volta, imagine”, recorda Levi, cuja experiência foi registrada em vídeo e corresponderá a um episódio de um documentário.
Esperando encontrar um continente faminto, Levi levou um baque quando descobriu que os países africanos são tão brasileiros. Naquelas pessoas, ele conta, via os irmãos, cujos braços construíram o Brasil de hoje. A relação deles com o período da escravidão também chamou a atenção de Levi. “Eles conseguiram sarar a ferida. A gente aqui não”, relata o pernambucano, que se emocionou com um memorial pedindo desculpas aos africanos sequestrados e explorados.
Ativo no candomblé, Levi se surpreendeu ao perceber que, no Brasil, as pessoas dão mais importância às religiões de matriz africana do que na própria África. “A influência Árabe é muito grande lá e a religião africana que a gente cultiva aqui, em Moçambique não tem. Cheguei lá falando sobre os rituais do candomblé e é totalmente diferente, eles nem cultuam os orixás”, conta.
Na música e na culinária, Levi teve a mesma impressão: muitos sabores e ritmos em comum, apresentados com outros nomes. As paisagens e a arquitetura o levaram ainda mais perto de casa. “Me senti na Conde da Boa Vista algumas vezes. Os mercados, o tipo de comércio, é tudo muito parecido. Até as favelas. Quando entrei, pensei que estava na Ilha do Maruim”, brinca o pernambucano, que fala da experiência como transformadora e encantadora.
Além dos cinco brasileiros escolhidos nos cinco estados que mais receberam africanos escravizados – Bahia, Pernambuco, Maranhão, Rio de Janeiro e Minas Gerais – outros 145 foram submetidos aos exames, posteriormente comparados com amostras de 220 etnias. Os registros do retorno dos escolhidos às raízes vão compor um documentário com cinco episódios, que será veiculado em 2016.
“A escravidão foi uma ruptura para os africanos, forçados a abandonar sua identidade ao serem embarcados para o Novo Mundo. Hoje, com o avanço da tecnologia, a ausência de registros históricos deixou de ser um problema”, esclareceu Patricia Monteiro, do Cine Group.