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Ao longo das próximas 24 horas, você vai acordar, trabalhar exaustivamente, ter um pouco de lazer e dormir. Nesse mesmo intervalo, 156 brasileiras vão descobrir que têm câncer de mama. Esse tipo de tumor é o que mais afeta as mulheres – cerca de 22% dos novos tumores a cada ano são desse tipo, conforme o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Para chamar a atenção ao diagnóstico precoce, a campanha Outubro Rosa, criada em 1990 nos Estados Unidos e agora popular no mundo todo, tenta conscientizar a população ao longo do mês. Famosas têm aderido à campanha para dar mais visibilidade à causa:
Promovida no Brasil pelo Inca, a campanha deste ano tem o mote Vamos falar sobre isso?, com o objetivo de levantar discussões e fortalecer o diagnóstico. O rastreamento precoce, aliás, é essencial para reduzir a mortalidade. No entanto, os exames nem sempre estão ao alcance da população – no Brasil, o SUS só os recomenda para mulheres acima de 50 anos.
A decisão leva em conta a prevalência da doença, que costuma ser a partir da quinta década de vida. Contudo, um levantamento do A.C. Camargo Cancer Center com 4.527 pacientes, feito entre 2000 e 2010, mostrou que 4 em cada 10 mulheres com câncer de mama diagnosticados na instituição tinham menos de 50 anos e não descobririam o tumor se tivessem seguido a orientação do ministério. A Sociedade Brasileira de Mastologia, aliás, recomenda o exame a partir dos 40 anos.
“A gente vê o paciente perdido no sistema”, diz Luciana Holtz, fundadora e presidente do Instituto Oncoguia, ONG que nasceu em 2009 para fornecer informações e apoio a pacientes com câncer. Ela explica que a maioria das pessoas não costuma conhecer direitos essenciais – como a garantia ao tratamento em no máximo 60 dias após o diagnóstico.
A desinformação e o baixo acesso a tecnologias são as principais causas de mortalidade. Só no Brasil, quase 14,5 mil pessoas morreram por câncer de mama em 2013, conforme o Inca. O índice estabilizou ou está diminuindo no Sul e Sudeste, mas segue aumentando em outras regiões, sobretudo no interior, diz Rafael Kaliks, oncologista do Hospital Albert Einstein. “Não é só curar mas também cuidar do paciente e tratar a doença”, defende.
A prevenção é comum a outros tipos de câncer: evitar obesidade, álcool e tabagismo, praticar atividade física e ter alimentação saudável. Mais especificamente, é recomendado amamentar e evitar a reposição hormonal após a menopausa. No caso do câncer de mama tais cuidados são essenciais porque, ao contrário do que muita gente pensa, o fator genético não é fundamental para o aparecimento da doença. “Na imensa maioria dos casos, o câncer aparece porque houve uma mutação na célula, e não porque a pessoa tem uma predisposição a um gene anômalo”, diz Kaliks.
Câncer metastático
O câncer de mama pode ser classificado em três fases: precoce, quando é apenas restrito à mama; localmente avançado, quando atinge mama e axila; ou metastático (avançado), quando se espalha para outras partes no corpo.
Cerca de 30% das mulheres desenvolvem esse nível mais grave, mesmo que a doença seja diagnosticada cedo, segundo um estudo publicado no periódico The Oncologist. É um recorte considerável.
A campanha Cada Minuto Conta, promovida pela Pfizer em parceria com a União Latino-Americana Contra o Câncer da Mulher, é uma das mobilizações que vai ocorrer neste mês em São Paulo capital. Uma das ações vai acontecer nas estações de metrô Sé (quarta-feira, 5), Luz (quinta-feira, 6) e Paraíso (sexta-feira, 7).
Transeuntes serão abordados com um iPad para questionar os conhecimentos sobre mitos e verdades acerca do assunto. Apesar de a palavra ‘metástase’ muitas vezes estar associada à morte, a relação não necessariamente é esta.
Aliás, a ciência avançou bastante e desenvolveu medicamentos que conseguem atuar diretamente nas células cancerígenas e oferecer uma maior expectativa de vida às pacientes. É o caso da aposentada Elfriede Galera, de 65 anos, moradora de São Paulo.
Em 2010, ela foi diagnosticada com câncer de mama metastático nos ossos e pulmão, cerca de dois anos após ter ido ao posto de saúde reclamar de assimetria na mama. “Na época, ouvi do médico que meu problema era ter ‘uma pia cheia de louça para lavar’”, conta, ao descrever a falta de preparo do profissional ao lidar com o assunto.
Após realizar quimioterapias e uma mastectomia na mama esquerda em 2012, ela convive com a doença em nível avançado há sete anos. Ao conversar com a reportagem em um café no bairro Itaim Bibi, em São Paulo, ela reforça que não tem nenhum empecilho e desempenha normalmente suas atividades. Hoje, ela atua como ‘embaixadora’ do Instituto Oncoguia para divulgar que pacientes com câncer metástatico podem, sim, ter uma vida normal.
O marido é peça-chave na história: os dois construíram um veleiro, fizeram vaquinha virtual para arrecadar fundos e criaram a página Veleiro Augenblick, para documentar o processo que a ajuda a ter forças (“ter um objetivo faz muito bem”). Apesar de Elfriede ser bastante franca e direta, o assunto é espinhoso e nem todo mundo gosta de abordá-lo. “Sinto mais facilidade de falar sobre isso com criança do que com adulto”, relata.
Ela não está sozinha. Um estudo mundial feito de 2005 a 2015 pela Pfizer Oncologia e pela Escola Europeia de Oncologia, divulgado nesta semana, descobriu que a maioria das pessoas no mundo não entende muito de câncer de mama metastático e nem gosta de falar sobre ele.
O Informe Global sobre Câncer de Mama Metastático – Relatório de Uma Década reúne quatro novas pesquisas realizadas em 34 países e analisou mais de 3 mil estudos publicados entre esses 10 anos para fazer um panorama da doença no mundo. Uma das análises é que cerca de metade da população da Índia e da Turquia acredita que os pacientes nem devem falar sobre a doença.
Esse não é o único resultado pouco animador. Primeiro, descobriu-se que em geral ninguém sabe direito como funciona o câncer de mama metastático e que ele não é sentença de morte. Segundo, a nível mundial não há bom acesso a cuidados paliativos destinados a melhorar a qualidade de vida para quem está no último estágio da doença. Terceiro, médicos têm pouco sucesso em explicar as circunstâncias da enfermidade. “Muitos nem falam às pacientes que elas estão em estágio metastático”, diz Rafael Kaliks, oncologista do Hospital Albert Einstein.
E, por último, os avanços da medicina para esse tipo de doença estão lentos em comparação a outros tipos de câncer avançado. Muito disso porque os governos não têm interesse em oferecer, na rede pública de saúde, medicamentos que são extremamente caros para pessoas que, infelizmente, não têm décadas de expectativa de vida.
Judicialização
Por mais que pareça cruel, essa relação é feita pelo governo. O chamado efeito custo-efetividade é levado em conta pelos Ministérios da Saúde de todos os países para responder a uma simples – e muito difícil – pergunta: vale a pena investir em um remédio caro para uma pessoa que não vai viver muito tempo?
Na perspectiva do Estado, fazer essa análise é necessário para alocar as limitadas receitas em políticas com maior alcance e resultado. Já para quem enfrenta um câncer em metástase, muitas vezes essa relação é uma sentença de morte, pois impede o acesso a um medicamento mais efetivo, por exemplo. Para sair dessa sinuca de bico, há quem embarque na judicialização da saúde – isto é, entrar com um processo na Justiça para obter um medicamento.
Essa tomada de decisão pode proporcionar esperança e sobrevida para uma pessoa que esteja em uma sinuca de bico. No entanto, para o Estado é péssima: ao perder o processo, o governo compra o medicamento de forma unitária, o que o torna muito mais caro do que se comprasse em lote grande. “Não tem certo ou errado, é uma questão cinzenta”, diz Kaliks, do Albert Einstein.
Para quem tem câncer metastático e depende do SUS, outro problema é não ter acesso a tratamentos tão eficazes quanto os que estão disponíveis a quem está inscrito planos de saúde privados. Mas, no futuro, a expectativa é de que o câncer se torne tão controlável quanto uma hipertensão. Até lá, prevenção e diagnóstico são as chaves.