O número de colecionadores de armas, atiradores desportivos e caçadores (CACs) já é maior do que o total dos militares da ativa nas Forças Armadas. Levantamento do SBT News, a partir da Lei de Acesso à Informação (LAI), revela que 95.926 novos integrantes desse grupo armado pediram registro na Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) nos oito primeiros meses de 2021.
Com o arsenal autorizado até o final de agosto deste ano, a soma de todos atiradores, caçadores e colecionadores registrados hoje no Brasil chega a 409.689, ultrapassando os 335 mil integrantes da ativa do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. O número de CACs agora também pode ser comparado aos efetivos das policias militares nos estados brasileiros — 416.923, segundo dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Nos primeiros anos do governo Jair Bolsonaro (sem partido) os registros de CACs dispararam (leia quadro abaixo). Se em 2018, na gestão Michel Temer, foram inscritos 47.361, nos dois anos seguintes, a soma dos números chegou a 178.721. Os primeiros oito meses de 2021 já representam mais de 91% de 2020, indicando um novo recorde até o final de dezembro. Ao longo de 10 anos, o crescimento ultrapassou os 1.178%.
Os CACs são um dos grupos de maior pressão dentro do Exército para liberação de armas e munições. Entre eles há policiais aposentados e militares da reserva, donos de lojas de armamentos e dirigentes de clubes de tiros. Parte das alterações nas regras de liberação de armas no governo Bolsonaro beneficiou principalmente esse grupo. Hoje, atiradores têm permissão para compra de 30 armas permitidas e outras 30 restritas; caçadores, 15 permitidas e outras 15 restritas; e, no caso dos colecionadores, um número quase infinito de aquisições, a partir de cinco armas para cada modelo e cada marca existente.
Armas nas mãos dos CACs
O levantamento do SBT News também mostra o aumento exponencial do número de armamentos nas mãos dos CACs. Se em 2011 o grupo tinha 13.041 armas, nos primeiros oito primeiros meses deste ano já entraram com a certificação de 123.181, cerca de 90% do ano recorde, 2020, que bateu 137.851 autorizações. Hoje, o arsenal de armamentos registrados pelos atiradores, colecionadores e caçadores é 694.118.
Em 13 de fevereiro deste ano, um dia depois de publicar quatro decretos (n° 10.627, 10.628, 10.629, 10.630) que facilitavam o acesso às armas no país, o presidente Jair Bolsonaro postou nas redes sociais uma foto com uma arma dentro de um stand de tiro. As medidas flexibilizam os limites para compra e estoque de armas e cartuchos para pessoas autorizadas pela lei. Na época, o governo já contabilizava 30 atos normativos que favoreceram o aumento de circulação das armas. Em 2019, o decreto n° 9.847 permitiu que o certificado de registro concedido às pessoas jurídicas que comercializem ou produzam armas de fogo, munições e acessórios e aos clubes e às escolas de tiro, expedido pelo Comando do Exército, tenha validade de dez anos.
O aumento no número de CACs é criticado por estudiosos. “Com a anuência das instituições responsáveis pelo monopólio da força do Estado (inclusive a fiscalização de armamentos), os números apontam para a construção de um exército paramilitar”, diz Ana Penido, pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes), da Universidade Estadual Paulista (UNESP). “A proliferação dos CACs foi impulsionada pela política de armamento de civis.”
Ana Penido avalia que, embora não se possa identificar a presença ou ausência de disposição política desse contingente, é possível afirmar que os CACs oferecem rede de sociabilidade para pessoas que compartilham uma forma de pensar os temas comuns da sociedade, incluindo segurança comunitária e pessoal. “E, consequentemente, algumas crenças políticas altamente militarizadas, com potencial de fogo mais do que suficiente para desestabilizar democracias.”
Fonte: Sbtnews