Peça reuniu cerca de dez mil na cidade-teatro de Fazenda Nova, Agreste.
Espectadores falaram sobre emoção de ‘presenciar’ fatos da vida de Jesus.
A tradição cristã registra que a crucificação de Jesus é a salvação e se destina a todos, igualando os humanos, sejam pecadores, santos, crentes, ateus ou indiferentes às questões religiosas. Tal sentimento – o de pertencer a uma multidão de seres sem distinção – pode ser vivenciado na Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, em Fazenda Nova, município de Brejo da Madre de Deus, Pernambuco. O espetáculo reuniu dez mil pessoas na noite desta sexta-feira (3), aproximadamente, segundo estimativa da organização.
A temporada iniciou no dia 28 de março e segue até este sábado (4) e, antes do elenco entrar em cena, é sempre possível ouvir orações, cânticos, espectadores já emocionados diante do realismo de cada um dos nove palcos gigantes. A autônoma Bernadete Vieira da Silva, de 53 anos, é de Paulista, Região Metropolitana do Recife, e veio pela primeira vez à cidade-teatro, com a família. Apesar de disposta, estava preocupada com o que enfrentaria. “Ele morreu por causa de nós, eu sinto isso. E foi muito sofrimento, Ele sofreu! Não sei se vou aguentar ver porque é muito doloroso”, confidenciou.
Com a entrada dos atores nos palcos e o apoio de sonoplastia, luzes, efeitos especiais, figurino, praticamente a multidão se cala e parece que a comunicação só é retomada quando é preciso seguir para outro palco. O que acontece entre o início e o fim do espetáculo é indescritível para muitos ali. “É uma coisa que a gente não pode nem explicar. Foi uma emoção muito grande ver Ele na cruz por todos nós. Crucificado, perdendo sangue, Nossa Senhora triste. É muito triste. Mas, eu sou católica, ver é uma renovação da religião”, contou a aposentada Maria Elizabeth Carvalho, de 74 anos, vinda de Belém pela primeira vez.
Rosângela Carvalho, de 50 anos, filha de Maria Elizabeth, complementa o que falou a mãe. “É como se estivesse recarregando as forças, as baterias, pra começar tudo de novo. E dá pra se entregar, dá pra sentir como se estivesse fazendo parte. A gente faz parte, na verdade, dessa história”.
Junto das duas estava a aposentada Iaceli Guimarães, também de 74 anos. Elas se conheceram na excursão que saiu do Pará para Pernambuco. “Eu sou adventista do Sétimo Dia e, nessas horas da Sexta-Feira Santa, estou aqui aproveitando pra lembrar esse fato [a crucificação]. Há a questão do pôr do sol, mas não acho que estou transgredindo o Santo Sábado, que é como a sexta para os católicos, a gente guarda e ama esse dia. Eu fiquei muito feliz, tinha um sonho de vir e creio que o Senhor está aqui conosco”, disse.
“É uma demonstração de amor. Jesus morrer por amigos é uma coisa boa, mas por pecadores é para que um dia tenhamos vida eterna. Como ele ressuscitou, nós ressuscitaremos. E Ele virá, como diz o credo. Há de vir. Ele prometeu: ‘Eu vou, mas voltarei'”, frisa a aposentada.
Arte em primeiro lugar
Esta montagem no Agreste pernambucano é considerada também por vários religiosos um dos retratos mais realistas da vida de Jesus. O padre Reginaldo Manzotti assistiu em 27 de março, dia da pré-estreia, e não conseguiu esconder o fascínio e o encanto. “É incrível. No meio de mandacarus, cactus e palmas, você encontrar uma cidadela onde será dramatizada de uma forma tão fiel e ao mesmo tempo tão inusitada a Paixão de nosso Senhor”, expressou então.
Coordenador do evento, Robinson Pacheco contou nesta sexta que a percepção é a mesma até dos religiosos mais próximos. “Eu tenho um amigo, que era amigo de meu pai, Plínio, e de minha mãe, Diva, e é o bispo da Diocese de Caruaru, Dom Dino. É um italino que mora aqui no Brasil há 35 anos e ele traz vários bispos do país inteiro e da Itália, e fica impressionado. Diz que, em todos os anos, a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém é o que ele conhece de mais real, uma forma inteligente e prática de evangelizar”.
Porém, mesmo possibilitando leituras diferenciadas por parte de cada religião, para a organização o que move a mega produção é principalmente a cultura artística. “Teatro é cultura, religião é outra coisa. O meu pai tinha muito cuidado com isso. Ele escreveu a peça, construiu esse teatro, concebeu todo o mecanismo do espetáculo e teve muito cuidado para não deixar a cultura ficar abaixo do sentimento religioso. Enquanto esse teatro for teatro, ele será cultura. E, enquanto for cultura, ele será eterno”.
Elenco
Entre os 40 atores e cerca de 400 figurantes, a Paixão de Cristo este ano tem Igor Rickli na pele de Jesus Cristo, Paloma Bernardi no papel de Maria de Nazaré, Humberto Martins como Pilatos, enquanto José Barbosa encorpora Judas. Também atua a modelo Thaiz Schmitt, a quem foi dado o papel de Herodíades.
Carlos Reis está de volta aos palcos nesta temporada. Após três anos afastados, ele vive Herodes. Já a atriz Camila Sales Luna foi escalada para ser Madalena. Reis também comanda a direção artística ao lado de Lúcio Lombardi. A coordenação geral é de Robinson Pacheco.
A história é encenada contando ainda com atores locais da Sociedade Teatral de Fazenda Nova. Tudo começou com a família Mendonça, na década de 1950, para divulgar a palavra de Jesus e movimentar o comércio local. A cidade-teatro é uma réplica de Jerusalém, pensada por Plínio Pacheco em 1956 e tornada concreta em 1968. Com 100.000m², o espaço tem uma muralha de pedras de 9 metros de altura e 70 torres resguardando nove palco-plateias.