Depois de anos de crédito abundante, prazos e condições facilitadas, consumidor freia busca por crédito que está mais caro pela alta de juros, inflação e insegurança no emprego.
A fatura do cartão de crédito, o boleto do financiamento do carro ou da moto e a conta do supermercado podem ser os principais inimigos que o consumidor brasileiro terá de combater em 2015. O País vive hoje uma ressaca provocada pelo crédito abundante ofertado nos últimos anos – um dos mecanismos de estímulo utilizado pelo governo para alimentar a atividade econômica, o emprego e o consumo interno. Somado a isso, temos inflação e juros em alta e uma insegurança em relação à manutenção dos empregos.
“Vivemos uma ressaca de crédito que começou no fim de 2013. Esse momento faz o consumidor recuar diante da tomada de crédito, porque quer evitar a inadimplência ou o endividamento excessivo. O nível do crédito até se mantém, há crédito. Mas as condições são muito diferentes: os prazos estão mais curtos, os juros em elevação, os spreads [diferença entre o custo do dinheiro para o banco e o que ele cobra do cliente, uma espécie de ágio] estão aumentando. Está mais difícil como reflexo da conjuntura negativa”, explica Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.
Dados recentes da Serasa e do SPC Brasil apontam uma perda de apetite pelo crédito e uma menor disposição do consumidor em assumir dívidas. Segundo a Serasa Experian, a demanda por crédito caiu 2,5% em janeiro e recuou 10,7% em fevereiro. Na comparação anual, aumentou apenas 0,9%, quando a média dos últimos anos era de crescimento de 5% em 12 meses. “A taxa de juros, que é o preço do crédito, está subindo. Não é mesmo o momento de comprar crédito porque o produto [juro] está em elevação”, explica Rabi.
Segundo o SPC Brasil, as consultas para vendas a prazo (indicador que funciona como um termômetro de intenção de compra) recuou pelo segundo mês consecutivo, em fevereiro ao cair 4,83% ante janeiro (-28,85%).
Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil, explica que os bancos cobram taxa de juros maior porque o risco de inadimplência está crescendo, apoiado em outros indicadores, como o pessimismo do consumidor, do empresário, com a insegurança em relação ao emprego. “Muitos setores fazem um movimento de demissão ou utilizam mecanismos que reduzam custos. A tendência é que ao longo deste ano a indústria, principalmente de bens duráveis, dê férias coletivas, reduza jornadas de trabalho, corte horas extras, tudo em um esforço para não demitir, o que também gera custos. Isso tem impacto na renda, na liquidez e na expectativa de quem emprega, compra ou vende”, explica Marcela.
A analista administrativa Fabiana Arnoldi, de 34 anos, é um bom exemplo da situação que os economistas descrevem. Ela e o marido têm dívidas de financiamento do carro e em dois cartões de crédito e não estão dispostos a pegar mais crédito porque “os juros são muito altos”.
“Há dois meses quitei uma dívida de um cartão, por meio de um empréstimo parcelado em 36 meses. Agora procuro os credores um a um para fazer acordo e pagar aos poucos tudo, até porque não consigo pagar tudo de uma vez. Procuro as empresas em busca de acordo, mas ninguém aceita. Tenho dificuldades porque fica claro que não querem que eu quite a dívida, querem ganhar com os juros sobre os juros, com o prolongamento da dívida”, desabafa a consumidora. Com três filhos, o mais novo com menos de um ano, Fabiana afirma que ela e o marido não têm como se desfazer do carro porque precisam levar e trazer as crianças para outras pessoas cuidarem enquanto trabalham.
O índice de Intenção de Consumo das Famílias, verificado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), atingiu em março o menor nível da série histórica iniciada em janeiro de 2010, ao registrar quedas de 6,1% em relação a fevereiro e de 11,9% em relação a março de 2014. O indicador fechou março em 110,6 pontos e permanece ainda acima da zona de indiferença (100 pontos), indicando um nível ainda favorável.
O economista da Serasa afirma que os bancos e instituições financeiras nunca perdem. “Eles ganham de qualquer jeito, mas com crise e elevação do produto do juro, parecem que vão bem neste momento” diz Rabi, da Serasa Experian. Para oo economista, o mais aconselhável é o consumidor não se endividar agora, pelo contrário deve poupar até que a economia volte a ganhar confiança. “O único financiamento que vale ser feito nesse momento é o da casa própria. Isso quando for possível trocar a parcela do financiamento pelo aluguel. Não é hora para comprar um imóvel apenas para investimento. Os juros não favorecem esse tipo de investimento”, explica Rabi.
Volta de ambiente amigável ao consumidor depende de muitos fatores
Marcela Kawauti, da SPC Brasil, explica que é preciso analisar o crédito hoje considerando não apenas as dívidas em atraso dos bancos (credores de 50% dos inadimplentes), mas também as dívidas do comércio, que representam 20%, inadimplência puxada principalmente pelos crediários e financiamentos diretos disponíveis no varejo.
“Os bancos estão sendo mais cuidadosos na hora de conceder crédito e o consumidor não está assumindo dívidas para comprar linha branca, carro, moto com prazos longos. Essa falta de disposição ou condição para a compra retrai também o crédito no comércio e na indústria, na venda de bens em geral, e provoca um efeito na cadeia produtiva, com setores industriais passando por um momento difícil. Junta-se a isso o empresário sem confiança ou estímulo para investir e temos essa estagnação da atividade”, analisa Marcela.
Para Marcela, a melhora sistêmica começou a ser embasada agora e só vai melhorar em meados de 2016. “Quando o ciclo de ajuste fiscal e monetário acabar, deve melhorar confiança. Ainda estamos no meio do ciclo. O ajuste fiscal [uma série de medidas para reduzir de despesas do governo] nem passou no Congresso. O ajuste monetário [elevação da taxa de juros] já começou, mas o impacto demora de 8 a 9 meses. Tudo isso contribui para dizer que nesse ano o crédito não vai voltar a impulsionar a economia. A melhora começa só no ano que vem e não vai ser no começo do ano”, podera Marcela.
A economista-chefe do SPC Brasil explica que a inflação no País não é só de demanda. “A inflação tem a ver com reajuste de preços administrados que estavam represados (luz, gasolina) e foram reajustados agora. A produtividade baixa também eleva os custos de nossos produtos. Em resumo, nossa inflação é estruturada e por isso é resistente. Leva tempo e demanda ajustes para recuar.” Marcela afirma ainda que o impacto do dólar na cadeia também prejudica. “Não sabemos até onde vai o preço da moeda hoje. É um risco adicional e está presente em vários componentes da indústria.”