O dia 29 de outubro de 2024 é um novo marco na história da vitivinicultura tropical. É nesta data que iniciam as degustações técnicas dos vinhos que visam à obtenção do selo da Indicação Geográfica de Procedência (IP) Vale do São Francisco. A primeira sessão será realizada das 14h às 17h no Laboratório de Enologia do Senac Petrolina (PE), onde um comitê de degustação formado por profissionais do setor fará uma rigorosa avaliação sensorial de amostras de vinhos.
“Estamos a um passo de colocar essa certificação à disposição dos consumidores de vinho”, comenta o vice-diretor do Conselho Regulador da IP Vale do São Francisco, o enólogo Rodrigo Fabian. “A indicação de procedência é um ganho para todos: para os produtores, que garantem que o vinho tenha origem e controle de qualidade; e para o consumidor, que terá a certeza de que o vinho passou por um comitê de degustação, foi aprovado e apresenta qualidade. Com isso, o setor, a sociedade e o consumidor saem ganhando”, complementa.
O rigor da IP Vale do São Francisco
Todo o processo de aprovação na IP Vale do São Francisco é gerido pelo Conselho Regulador. Trata-se de um órgão constituído de acordo com os estatutos do Instituto do Vinho do Vale do São Francisco (Vinhovasf), associação privada e sem fins lucrativos que reúne as vinícolas da região delimitada.
Dessa comissão, participam quatro membros entre as vinícolas associadas, dois representantes de instituições técnico-científicas com conhecimento em viticultura e enologia, e mais um representante de órgãos de divulgação ligado ao setor vitivinícola nacional. São eles: Miguel Almeida (Vinícola Terranova), Rodrigo Fabian (Tropical Vitivinícola), Ricardo Henriques (Vinícola Rio Sol), Mateus Pogeere (Zanrolenzi Bebidas), Ana Paula Barros (IFSertãoPE – Instituto Federal do Sertão Pernambucano), Patrícia Coelho (Embrapa Semiárido) e Paula Theotonio (Jornal Correio).
A prova dos vinhos, no entanto, é somente uma das etapas avaliativas. As amostras são analisadas ainda quanto à adequação aos padrões vitícolas e enológicos estabelecidos no Caderno de Especificações Técnicas da IP, e também passam por análises físico-químicas laboratoriais.
Esses dados são arquivados em uma plataforma digital própria, desenvolvida para otimizar o processo desde a inscrição das amostras, seguindo à risca o Plano de Controle do Caderno de Especificações Técnicas. “Esse documento é basicamente a espinha dorsal da IP, e seguir essas diretrizes de ponta a ponta é fundamental”, comenta o secretário executivo da IP Vale do São Francisco, o enólogo Euclides Neto.
Quando um vinho é aprovado em todas as fases, recebe do Conselho Regulador um Atestado de Conformidade, que qualifica o vinho à obtenção do selo.
Tipicidade dos vinhos da IP Vale do São Francisco
Indicações geográficas (IGs) são ferramentas de propriedade industrial que identificam a origem de um produto ou serviço, atribuindo-lhe valor, reputação e identidade própria. No mundo do vinho há várias reconhecidas, como Champagne e Vinhos Verdes.
No Brasil há dois tipos de IGs, que precisam ser registradas junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A Indicação de Procedência (IP) é mais abrangente e se aplica às regiões demarcadas que se tornaram reconhecidas pela produção ou extração de um determinado produto/serviço. A Denominação de Origem (DO), por sua vez, designa produto/serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos.
Protocolada em 2020 pelo Vinhovasf junto ao INPI e aprovada em novembro de 2022, a IP Vale do São Francisco é o resultado de um trabalho de duas décadas de organização do setor. Os estudos para tipificação da região demarcada envolveram o próprio Vinhovasf, Embrapa Semiárido, Embrapa Uva e Vinho, Universidade de Caxias do Sul e Instituto Federal do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE).
“Esse tempo foi necessário porque nossa região é realmente singular e precisava ser caracterizada, sem sombra de dúvidas, não apenas na elaboração dos vinhos, mas também na demonstração do porquê e de como são diferentes”, avalia o presidente do Vinhovasf, José Gualberto de Freitas Almeida, que acompanhou a criação da IP desde o início dos anos 2000.
A IP Vale do São Francisco é a primeira a englobar vinhos finos e espumantes elaborados em zonas tropicais do globo. Nessas regiões, pode ocorrer mais de um ciclo vegetativo da videira por ano, diferentemente de vinhos elaborados em áreas temperadas. No Vale, isso é possível graças à irrigação e ao clima tropical semiárido, com temperaturas elevadas que viabilizam a produção de uvas e vinhos de janeiro a dezembro, com até duas safras e meia por videira. Além, ainda, de possibilidades de colheitas escalonadas ao longo do ano nas diferentes parcelas de vinhedos.
Essa indicação geográfica é a primeira no Brasil fora da região Sul e a integrar municípios de dois estados: Lagoa Grande, Petrolina e Santa Maria da Boa Vista, em Pernambuco; e Casa Nova e Curaçá, na Bahia.
Atualmente, nove empresas vitivinícolas estão associadas ao Vinhovasf e podem submeter seus vinhos à avaliação do Conselho: Vinícola Bianchetti Tedesco, Vinícola Quintas de São Braz, Vitivinícola Santa Maria (Rio Sol), Vinícola Terroir do São Francisco (Garziera), Vinícola Tropical (Fazenda Milano), Vinícola Vale do São Francisco (Botticelli) e Vinícola Zanlorenzi em Pernambuco; e Vinícola Terranova (Miolo Wine Group) e Vinícola VSB (Vinum Sancti Benedictus) na Bahia.
Os vinhos da região apresentam características bem variadas, devido inclusive às diferenças nas safras dentro de um só ano. Vão desde brancos leves de aromas florais a barricados com nuances de frutas tropicais e de caroço, passando por rosés diversos, tintos leves e jovens e chegando até aos mais encorpados, aptos ao envelhecimento, com aromas de frutas vermelhas ou negras maduras. Os espumantes, por sua vez, são na maioria jovens, secos, demi-sec (meio-secos) ou moscatéis.